Após a contenção do foco de influenza aviária registrado em uma granja comercial em maio, o Brasil inicia um processo de retomada da confiança internacional e de reabertura gradual de mercados importadores, já que mais de 70 países suspenderam as compras de frango desde o alerta sobre a doença. No entanto, esse esforço pode ser comprometido por uma proposta do próprio Ministério da Agricultura e Pecuária (Mapa), que pretende privatizar as inspeções de animais destinados ao abate, um dos pilares da segurança dos alimentos e das exportações brasileiras. O alerta é do Sindicato Nacional dos Auditores Fiscais Federais Agropecuários (Anffa Sindical), que chama a atenção para os riscos sanitários e institucionais envolvidos na medida.
A proposta do Mapa prevê o credenciamento de pessoas jurídicas para executar atividades técnicas e operacionais de defesa agropecuária, entre elas as inspeções ante mortem e post mortem de animais, fundamentais para garantir a segurança dos alimentos consumidos por brasileiros e por cidadãos de quase 200 países. Na prática, frigoríficos poderão contratar empresas privadas para realizar inspeções que deveriam ser isentas e conduzidas por agentes públicos, o que configura, segundo o Anffa, um grave conflito de interesses e grandes riscos à saúde pública global.
“A rápida contenção do foco de influenza aviária registrado em maio só foi possível graças à atuação técnica, ágil e coordenada dos auditores fiscais federais agropecuários. São profissionais de Estado, concursados, com independência para agir e foco exclusivo na proteção da saúde pública e do patrimônio agropecuário nacional. Substituir essa atuação por profissionais contratados por empresas privadas, subordinadas aos próprios fiscalizados, representa um retrocesso gravíssimo. Não é apenas uma questão de eficiência: é de credibilidade, soberania sanitária e segurança alimentar. O que está em jogo é a confiança que o Brasil leva décadas para construir junto aos mercados internacionais.”, afirma Janus Pablo Macedo, presidente do Anffa Sindical.
A proposta está formalizada na minuta da Portaria nº 1.275/2025, submetida à consulta pública, como parte da regulamentação da Lei do Autocontrole (Lei 14.515/2022). O Anffa Sindical denunciou o plano ao Ministério Público Federal (MPF) e solicitou a suspensão imediata da tramitação da portaria, com a abertura de um inquérito para avaliar sua legalidade e constitucionalidade.
O plano do governo brasileiro avança justamente em um momento estratégico, em que o país tenta consolidar o acordo entre Mercosul e União Europeia e enfrenta forte resistência de mercados com altos padrões sanitários, como o francês. Fragilizar os controles oficiais pode não apenas comprometer as negociações internacionais, mas também expor o Brasil a escândalos sanitários com sérias repercussões comerciais e de imagem.
O sindicato também defende a apreciação da Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI nº 7.351/DF), em tramitação no Supremo Tribunal Federal (STF), que questiona dispositivos da Lei do Autocontrole por permitir a privatização de atividades típicas de Estado. Para o Anffa, ao enfraquecer os mecanismos oficiais de controle, o Brasil abre espaço para fraudes, omissões e perdas irreparáveis na confiança conquistada junto aos mercados internacionais.
Por fim, o Anffa Sindical reforça que continuará atuando junto ao Congresso Nacional, ao Judiciário e à sociedade civil organizada para garantir a preservação de um modelo de fiscalização independente, técnico e exercido por servidores públicos de carreira, como instrumento essencial à proteção da saúde coletiva, à soberania sanitária e à competitividade do agronegócio brasileiro no mundo.
“Estamos falando da proteção à saúde pública, da integridade dos alimentos e da preservação da credibilidade do Brasil como exportador. Não se pode admitir que funções exclusivas do Estado sejam repassadas a terceiros com vínculos diretos com os fiscalizados. O risco de conflito de interesse é elevado, e a saúde da população, seriamente ameaçada”, finaliza o presidente do Anffa Sindical.