SÃO PAULO (Reuters) -As ações dos principais bancos brasileiros registravam fortes perdas nesta terça-feira, com Banco do Brasil caindo 6%, em meio a ruídos desencadeados pela decisão do ministro Flávio Dino, do Supremo Tribunal Federal (STF), de que leis e decisões estrangeiras não se aplicam a brasileiros no Brasil.
A decisão, publicada na véspera e reafirmada nesta terça-feira, atendeu a um pedido do Instituto Brasileiro de Mineração (Ibram) para que municípios brasileiros não possam propor ações na Justiça de outros países. Mas pode afetar a aplicação da Lei Magnitsky, dos EUA, que impôs sanções ao ministro Alexandre de Moraes, do STF.
O governo do presidente norte-americano, Donald Trump, acusa Moraes de autorizar prisões arbitrárias antes do julgamento e de suprimir a liberdade de expressão. O ministro é relator do processo em que o ex-presidente Jair Bolsonaro é réu, acusado de tramar um golpe de Estado após perder a eleição presidencial de 2022.
As sanções aplicadas pelo Departamento de Controle de Ativos Estrangeiros (OFAC, na sigla em inglês), órgão do Tesouro dos EUA, determinam o congelamento dos ativos de Moraes nos EUA e proíbem que cidadãos norte-americanos façam negócios com ele.
Até a véspera, as ações de bancos haviam reagido de forma comedida, dado o entendimento de que as sanções estavam restritas a operações relacionadas a Moraes em dólar ou que envolvessem investimentos dele nos EUA e empresas norte-americanas.
A decisão de Dino, contudo, mudou o cenário. De acordo com o diretor de um grande banco brasileiro, na prática, qualquer movimento dos bancos brasileiros com base nas regras envolvendo o OFAC precisaria ser aprovado pelo STF. Ao mesmo tempo, acrescentou, descumprir uma decisão do OFAC, para o sistema financeiro, significaria ser banido do relacionamento internacional.
“O Brasil não tem essa escolha. Do jeito que esse negócio é feito, é conectado. A diferença de força de potência dos EUA para a economia brasileira deixa a gente numa posição de não escolha, uma posição de sujeição mesmo. Não tem muito o que fazer”, afirmou o diretor, que pediu para não ser identificado.
“Simplesmente não dá, seja pela infraestrutura, seja pela parte financeira. Há bancos com operações no mundo inteiro”, acrescentou. “Será necessário construir uma solução que seja uma solução aceitável para o país, que não coloque em risco o sistema financeiro.”
Em nota, o BB afirmou que está preparado para lidar com temas complexos e sensíveis que envolvem regulamentações globais e que atua em plena conformidade à legislação brasileira, às normas dos mais de 20 países onde está presente e aos padrões internacionais que regem o sistema financeiro.
Em entrevistas coletivas recentes sobre os resultados de segundo trimestre, ocorridas antes da decisão de Dino, o Itaú afirmou que o banco cumpre as leis de cada jurisdição em que atua, e o Bradesco afirmou que lei é feita para cumprir. Já o presidente do BNDES afirmou nesta terça-feira que o banco de fomento não está sujeito aos efeitos da medida norte-americana.
Os papéis do BB fecharam a terça-feira em queda de 6%, enquanto Itaú Unibanco recuou 3%, Bradesco perdeu 3,4%, Santander Brasil mostrou declínio de 4,9% e BTG Pactual cedeu 3,5%. O Ibovespa fechou em baixa de mais de 2%.
Na visão do especialista em investimentos Gabriel Filassi, sócio da AVG Capital, as ações dos bancos refletiram o estresse gerado com o embate político entre o governo dos EUA e o STF, após decisão “que abalou o mercado”.
“A decisão de Flávio Dino foi uma estratégia para ganhar tempo, já que a implementação da Lei Magnitsky, que prevê a restrição dos serviços bancários, ocorre de forma gradual, não imediata. Entendo que eles terão que cumprir a exigência internacional na íntegra, apenas não está claro quando”, disse.
“Foi gerada uma grande incerteza para o investidor”, acrescentou Filassi.
Em uma publicação no X no fim da tarde de segunda-feira, o Escritório para Assuntos do Hemisfério Ocidental do Departamento de Estado dos EUA, num texto que pode ser visto como uma resposta à decisão de Dino, disse que “nenhum tribunal estrangeiro pode invalidar as sanções dos Estados Unidos — ou poupar alguém das graves consequências de violá-las”.
(Edição Alberto Alerigi Jr. e Pedro Fonseca)